quarta-feira, 4 de maio de 2011

A INVASÃO DA ETIÓPIA

No dia 3 de outubro de 1935 as tropas da Itália fascista, partindo da Eritréia, na África Oriental, atacaram o Reino da Etiópia. A aventura militar, entretanto, não foi um passeio. Apesar de bem armados com equipamento moderno, os fascistas enfrentaram uma tenaz resistência do povo etíope, o que frustrou o desejo do ditador Mussolini em realizar uma campanha rápida. A guerra de agressão à Etiópia expôs a enorme fragilidade da Sociedade da Liga das Nações, fundada em 1919, exatamente para evitar que potências belicistas, expansionistas e predadoras, engolissem as mais fracas. O doloroso episódio significou o fim da Liga das Nações e o prenúncio da Segunda Guerra Mundial.



UMA SESSÃO VERGONHOSA



"De um problema diplomático {o litígio entre a Itália e a Etiópia, tornou-se um problema de força, um problema histórico, que importa resolver pelo único modo pelo qual os problemas sempre terminam resolvidos – pelo emprego das armas."
Mussolini ao general Badoglio, 30 de dezembro de 1934.
Certamente que aquela sessão de junho de 1936 foi a mais constrangedora que a Sociedade da Liga das Nações assistiu na sua curta existência. De pé, no púlpito frente ao microfone, o Négus , o imperador da Etiópia Hailé Sélassie, um homem pequeno, barbudo, com uma capa preta sobre os ombros, de enorme dignidade, protestava contra a invasão do seu reino africano pelas tropas da Itália fascista. Viera invocar o principio da Segurança Coletiva, segundo o qual um ataque a uma nação integrante da Liga significava uma agressão a todos os seus membros.
Nas laterais, tentando impedir o seu discurso indignado, lido em aramaico, jornalistas italianos apupavam e vaiavam o estadista. Pior ainda foi o resultado da votação em que ele pedia em que os delegados não reconhecessem a conquista do seu país feita pelo agressor, que naquelas alturas já havia ocupado a Etiópia. Enquanto 25 membros abstiveram-se, 23 votaram contra a proposta de Sélassie, e somente um foi a favor, ele mesmo. Os representantes do mundo, capitulando, aceitaram o fato consumado: Mussolini havia conquistado o reino de Négus(*).
(*) O titulo oficial do governante da Etiópia era Niguse Negest, o Rei dos Reis, ou simplesmente Négus.

O APELO DE HAILE SELASSIE À LIGA DAS NAÇÕES 



"Eu, Hailé Sélassie, Imperador da Etiópia, estou aqui para reclamar justiça para com meu povo, bem como a assistência que há oito meses passados prometeram a ele, quando , na ocasião, 50 nações concordaram que uma agressão, violando os tratados internacionais, havia sido cometida contra ele. Não há precedente de um chefe de estado ter vindo falar nessa assembléia, como não há precedente de um povo ser vítima de tal injustiça, estando no presente abandonado e colocado em risco de vida por seu agressor. Igualmente nunca se viu o exemplo de um governo proceder o sistemático extermínio de uma nação por meios bárbaros, violando as mais solenes promessas feitas pelas nações da terra de não usar contra seres humanos inocentes as injurias do gás venenoso. É para defender um povo que luta pela sua antiga independência que o chefe do Império Etíope veio até Genebra para cumprir com o seu dever, depois dele mesmo ter lutado no comando dos seus exércitos.
Peço a Deus Todo-Poderoso que ele poupe as nações do terrível sofrimento que recentemente infringiram ao meu povo, sofrimento que os que me acompanham aqui foram as testemunhas horrorizadas. É meu dever informar aos governos reunidos em Genebra da responsabilidade que eles têm sobre as vidas de milhões de homens, mulheres e crianças, do perigo mortal a que eles estão submetidos, descrevendo aqui o destino que sofre a Etiópia. O govenro italiano não faz a guerra somente contra os guerreiros, mas contra toda a população, ainda que afastada das hostilidades, com a intenção de aterrorizá-los e exterminá-los." (...) Que resposta devo levar ao meu povo? Hoje somos nós, amanhã serão vocês.”



ITALIANOS NA ETIÓPIA 

Até 1936, a Etiópia, situada no coração geográfico da África, apesar de encontrar-se cercada por colônias inglesas (Sudão e Quênia), francesa (Djibuti) e italianas (a Eritréia e a Somália), era a única nação do Continente Negro que até então não fora ainda dominada por uma potência externa. Pois essa excêntrica situação encerrou-se com a ocupação de Adis Abbeba, feita pelos italianos no dia 5 de maio de 1936. As tropas do general Badoglio, que lá chegaram, só o fizeram depois de uma espinhosa campanha pelos desfiladeiros do pais. A população nativa, furiosa contra a invasão dos fascistas italianos, entrincheirada no alto das montanhas, despejava de tudo, pedras e lanças, sobre as colunas de caminhões e de tanques dos inimigos. Mussolini havia mobilizado mais de 200 mil homens, 6 mil metralhadoras, 700 canhões e 150 carros de combate, autorizando a eles o uso de gás venenoso para sufocar o reino do Négus.A acidentalidade do território e a brava e desesperada resistência dos etíopes prolongou aquela guerra desproporcional por quase oito meses. Após lutar um combate final nos arredores do lago Ascianghi, com forças que não chegavam a 10% dos invasores, vendo-se perdido, Hailé Sélassie exilou-se em Londres. Foi então que de lá ele resolveu ir à Genebra, sede da Liga, para fazer o seu inútil apelo ao mundo. O pretexto para a agressão fascista fora um tiroteio ocorrido num posto fronteiriço chamado Ual-Ual , entre a Etiópia e a Eritréia italiana, ocorrido em dezembro de 1934. Mussolini viu nele uma oportunidade de ouro.
Os colonialistas italianos ainda amargavam, mesmo tendo corrido 40 anos, a inesperada derrota que o Reino da Itália sofrera na batalha de Adua, em 1896. Naquela oportunidade, um exército nativo de etíopes mal equipados, comandado pelo imperador Melenik II, conseguira a façanha de derrotar regimentos italianos em campo aberto. Fora, até então, o único sucesso dos africanos frente a uma bem equipada tropa ocidental. Em Adua, a lança etíope vencera o canhão italiano. Para o líder fascista, sentido-se a encarnação de César, o incidente serviu como a oportunidade ideal para um acerto de contas, afinal vingar Adua era uma questão de honra para a alta oficialidade italiana, ao tempo em que aquela guerra, a primeira delas, atenderia a promessa do regime fascista de restaurar a antiga grandeza do império romano.



O FRACASSO DAS SANSÕES






Num primeiro momento, nos começos daquela guerra, a Liga das Nações resolvera tomar uma atitude. Uma comissão especial, com cinco integrantes (entre eles a França e a Grã-Bretanha), declarou que a Itália violara o pacto da Liga das Nações. Decidiu-se então, por 50 votos em 54, adotar sanções econômicas contra ela porque a medida correspondia ao espirito do artigo 16 da carta da instituição. Naquela altura, entretanto, Hitler fortalecia-se na Alemanha e, irmão ideológico do fascismo, prontamente ofereceu-se para abastecer a Itália do que fosse necessário. O embargo do fornecimento de petróleo, por sua vez, sofreu seu golpe de morte quando as grandes empresas norte-americanas, apesar das recomendações do presidente Roosevelt, decidiram continuar fornecendo combustível ao país do Duce.
Mussolini, enquanto isso - em seguida ao Grande Conselho Fascista ter considerado o 18 de novembro de 1935, data da aprovação das sanções, como “o dia da ignomia”-, ergueu a bandeira, tão cara aos nacionalistas desde 1919, da “Itália enganada” , o pais a quem nunca os seus aliados permitiam colher os frutos da vitória das guerras em que participava. Houve então uma comoção nacional para amparar economicamente o pais. De imediato, lançou-se a campanha a favor da “ coleta do ouro”, na qual milhares de italianos colaboraram voluntariamente doando anéis, medalhas ou qualquer outro objeto de valor, para mostrar apoio a Mussolini (entre eles Luiggi Pirandello que entregou a sua medalha do Prêmio Nobel, e os famosos intelectuais antifascistas Benedetto Croce e Albertini). A imprensa italiana, por sua vez, tratou de enxovalhar o Reino da Etiópia, dizendo-o atrasado e bárbaro, aguardando o braço civilizador das legiões fascistas que já estavam a caminho de Adis Abbeba.
No mesmo dia em que chegou a Roma a noticia da vitória de Badoglio, Mussolini convocou as massas da capital para anunciar o grande feito do alto do balcão do Palazzo Veneza. Milhares de italianos então vibravam, exultantes, ao som do tambor tribal do patriotismo resgatado. Ali mesmo, o rei da Itália Victor Emanuel III, que estava presente, foi sagrado pelo Duce como o novo imperador da Etiópia, o Kaesare Ityopia, o César da Etiópia, como oficialmente foi denominado na terra que conquistara, enquanto o general Badoglio tornou-se o seu vice-rei.


CONCLUSÕES




O fracasso da Sociedade da Liga das Nações em evitar uma evidente guerra de agressão colonial, somada a sua impotência em sequer conseguir fazer cumprir um embargo econômico contra o país fascista, foi um golpe de morte na instituição internacional, na qual tantos depositaram esperanças logo depois da Grande Guerra de 1914-18. Cinco anos depois da ocupação da Etiópia, chamada de Africa Oriental Italiana, Mussolini, pressionado pelos britânicos em guerra contra ele, teve que retirar suas tropas de lá em 1941.
Hailé Sélassie, partido de Londres, foi então reconduzido de volta ao seu trono, de onde só foi apeado pela revolução de setembro de 1974. Apenas três anos depois de não terem conseguido deter a agressividade do regime de Mussolini, a própria Europa e, em seguida, o mundo todo, como prognosticou Hailé Sélassie em 1936, viu-se jogado nos braços de mais uma guerra, a pior de todas até então: a Segunda Guerra Mundial, que estendeu-se de 1939 a 1945.




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