A INVASÃO DA ETIÓPIA
UMA SESSÃO VERGONHOSA
"De um problema diplomático {o litígio entre a Itália e a Etiópia, tornou-se um problema de força, um problema histórico, que importa resolver pelo único modo pelo qual os problemas sempre terminam resolvidos – pelo emprego das armas."
Mussolini ao general Badoglio, 30 de dezembro de 1934.
Certamente que aquela sessão de junho de 1936 foi a mais constrangedora que a Sociedade da Liga das Nações assistiu na sua curta existência. De pé, no púlpito frente ao microfone, o Négus , o imperador da Etiópia Hailé Sélassie, um homem pequeno, barbudo, com uma capa preta sobre os ombros, de enorme dignidade, protestava contra a invasão do seu reino africano pelas tropas da Itália fascista. Viera invocar o principio da Segurança Coletiva, segundo o qual um ataque a uma nação integrante da Liga significava uma agressão a todos os seus membros.
Nas laterais, tentando impedir o seu discurso indignado, lido em aramaico, jornalistas italianos apupavam e vaiavam o estadista. Pior ainda foi o resultado da votação em que ele pedia em que os delegados não reconhecessem a conquista do seu país feita pelo agressor, que naquelas alturas já havia ocupado a Etiópia. Enquanto 25 membros abstiveram-se, 23 votaram contra a proposta de Sélassie, e somente um foi a favor, ele mesmo. Os representantes do mundo, capitulando, aceitaram o fato consumado: Mussolini havia conquistado o reino de Négus(*).
(*) O titulo oficial do governante da Etiópia era Niguse Negest, o Rei dos Reis, ou simplesmente Négus.
O APELO DE HAILE SELASSIE À LIGA DAS NAÇÕES
"Eu, Hailé Sélassie, Imperador da Etiópia, estou aqui para reclamar justiça para com meu povo, bem como a assistência que há oito meses passados prometeram a ele, quando , na ocasião, 50 nações concordaram que uma agressão, violando os tratados internacionais, havia sido cometida contra ele. Não há precedente de um chefe de estado ter vindo falar nessa assembléia, como não há precedente de um povo ser vítima de tal injustiça, estando no presente abandonado e colocado em risco de vida por seu agressor. Igualmente nunca se viu o exemplo de um governo proceder o sistemático extermínio de uma nação por meios bárbaros, violando as mais solenes promessas feitas pelas nações da terra de não usar contra seres humanos inocentes as injurias do gás venenoso. É para defender um povo que luta pela sua antiga independência que o chefe do Império Etíope veio até Genebra para cumprir com o seu dever, depois dele mesmo ter lutado no comando dos seus exércitos.
Peço a Deus Todo-Poderoso que ele poupe as nações do terrível sofrimento que recentemente infringiram ao meu povo, sofrimento que os que me acompanham aqui foram as testemunhas horrorizadas. É meu dever informar aos governos reunidos em Genebra da responsabilidade que eles têm sobre as vidas de milhões de homens, mulheres e crianças, do perigo mortal a que eles estão submetidos, descrevendo aqui o destino que sofre a Etiópia. O govenro italiano não faz a guerra somente contra os guerreiros, mas contra toda a população, ainda que afastada das hostilidades, com a intenção de aterrorizá-los e exterminá-los." (...) Que resposta devo levar ao meu povo? Hoje somos nós, amanhã serão vocês.”
ITALIANOS NA ETIÓPIA
Os colonialistas italianos ainda amargavam, mesmo tendo corrido 40 anos, a inesperada derrota que o Reino da Itália sofrera na batalha de Adua, em 1896. Naquela oportunidade, um exército nativo de etíopes mal equipados, comandado pelo imperador Melenik II, conseguira a façanha de derrotar regimentos italianos em campo aberto. Fora, até então, o único sucesso dos africanos frente a uma bem equipada tropa ocidental. Em Adua, a lança etíope vencera o canhão italiano. Para o líder fascista, sentido-se a encarnação de César, o incidente serviu como a oportunidade ideal para um acerto de contas, afinal vingar Adua era uma questão de honra para a alta oficialidade italiana, ao tempo em que aquela guerra, a primeira delas, atenderia a promessa do regime fascista de restaurar a antiga grandeza do império romano.
O FRACASSO DAS SANSÕES
Mussolini, enquanto isso - em seguida ao Grande Conselho Fascista ter considerado o 18 de novembro de 1935, data da aprovação das sanções, como “o dia da ignomia”-, ergueu a bandeira, tão cara aos nacionalistas desde 1919, da “Itália enganada” , o pais a quem nunca os seus aliados permitiam colher os frutos da vitória das guerras em que participava. Houve então uma comoção nacional para amparar economicamente o pais. De imediato, lançou-se a campanha a favor da “ coleta do ouro”, na qual milhares de italianos colaboraram voluntariamente doando anéis, medalhas ou qualquer outro objeto de valor, para mostrar apoio a Mussolini (entre eles Luiggi Pirandello que entregou a sua medalha do Prêmio Nobel, e os famosos intelectuais antifascistas Benedetto Croce e Albertini). A imprensa italiana, por sua vez, tratou de enxovalhar o Reino da Etiópia, dizendo-o atrasado e bárbaro, aguardando o braço civilizador das legiões fascistas que já estavam a caminho de Adis Abbeba.
No mesmo dia em que chegou a Roma a noticia da vitória de Badoglio, Mussolini convocou as massas da capital para anunciar o grande feito do alto do balcão do Palazzo Veneza. Milhares de italianos então vibravam, exultantes, ao som do tambor tribal do patriotismo resgatado. Ali mesmo, o rei da Itália Victor Emanuel III, que estava presente, foi sagrado pelo Duce como o novo imperador da Etiópia, o Kaesare Ityopia, o César da Etiópia, como oficialmente foi denominado na terra que conquistara, enquanto o general Badoglio tornou-se o seu vice-rei.
CONCLUSÕES
Hailé Sélassie, partido de Londres, foi então reconduzido de volta ao seu trono, de onde só foi apeado pela revolução de setembro de 1974. Apenas três anos depois de não terem conseguido deter a agressividade do regime de Mussolini, a própria Europa e, em seguida, o mundo todo, como prognosticou Hailé Sélassie em 1936, viu-se jogado nos braços de mais uma guerra, a pior de todas até então: a Segunda Guerra Mundial, que estendeu-se de 1939 a 1945.